OS BANHOS DE MAR


(Texto do meu livro:Tramandaí Lembranças a Granel)

O dia amanhecera muito bonito. certamente daria banho de mar pela manhã e à tarde. Era por volta do ano de 1949.
Tia Zilda, irmã de minha mãe, quase sempre veraneava em nossa casa, também em fevereiro, coincidindo com a estadia das tias, irmãs de meu pai. Podemos dizer que foi a nossa mãe social, isto é, aquela que nos levava a passeios e a festas, pois nossa mãe vivia trabalhando. Era loira, olhos azuis, baixa, um pouco gorda para sua altura. No inverno, quase sempre passávamos alguns dias em Porto Alegre, em sua casa. Ela era incansável! Passeava conosco, leva - nos ao cinema e, para nossa alegria, também nos levava à Pensão Saraiva, onde tia Lourdinha morava para trabalhar em Porto Alegre. Essa pensão ficava bem no centro de Porto Alegre. Dava frente para a Praça da Alfândega. Quando adolescentes assistimos da sacada a muitas “Paradas dos Bixos” (desfiles de estudantes passados em vestibular). O proprietário da Pensão Saraiva era nosso parente.
As três tias: tia Loudinha, tia Nazinha e tia Zilda formavam um trio maravilhoso para nos levarem à praia, e a passeios no centro de Tramandaí, à noite.
A principal rua de acesso à praia era a Rua Fernando Amaral. A maioria das pessoas ia a pé para a praia. Nas horas de banho essa rua ficava movimentadíssima. Famílias inteiras dirigiam - se para a praia com seus guardassóis, toalhas ou esteiras para o banho de sol na areia... Havia, nessa época, as carrocinhas de bodes. Muitos pais pagavam alguns trocados e colocavam as crianças nessas carroças, em miniatura. As crianças ficavam felizes e os pais aliviados do peso. Outros banhistas, menos afeitos a caminhadas, valiam-se do ônibus, aberto nas laterais com bancos de madeira, preparados especialmente para essa função: condução de banhistas à praia. Nós íamos e voltávamos sempre a pé.
Ao chegarmos lá, não perdíamos um minuto. Só esperávamos as tias determinarem o lugar onde colocariam o guardassol e entrávamos correndo para dentro da água. As tias ficavam conversando, relaxando e tomando banho de sol por umas duas horas, enquanto ficávamos na água brincando sem parar: furávamos ondas, mergulhávamos, “pegávamos jacaré”, fazíamos trampolim com as mãos para o outro saltar, boiávamos, tentávamos nadar quando não havia correnteza. Arriscávamos ir até a coroa atravessando uma série de buracos mais ou menos profundos para nossa altura. Nossos dedos já estavam murchos, quando nossas tias resolviam entrar para o seu banho rápido. Aí a festa se completava! Cada qual queria se mostrar mais, fazendo demonstrações para elas que não se cansavam de nos elogiar. Especialmente a tia Lourdinha: "o Gilberto até parece um tubarão!... Vocês até parecem um cardume de botos, de tão bem que nadam!..." E nós ficávamos muito contentes ...
Os dias de fevereiro passavam rapidamente. Chegava a época do carnaval e com ele a nossa tristeza. Carnaval significava fim de temporada de veraneio. Era chegado o tempo de nossas tias arrumarem suas malas e viajarem de volta para retornarem somente no ano seguinte. Nos últimos dias de veraneio experimentávamos um sentimento estranho. Acredito que era a dor da saudade antecipada. Aqueles automóveis carregados, saindo de Tramandaí, um atrás do outro, numa fila interminável, levavam um pedacinho de nós. Todos partiam e nós ficávamos. Todos os carros de outras praias passavam por Tramandaí e pela Avenida Fernandes Bastos onde morávamos. Ficar é bem mais difícil do que partir. Chegava o dia em que nossas tias se despediam, tomavam o ônibus na antiga rodoviária, que ficava a uma quadra de nossa casa (Av. Fernandes Bastos com Rua Jorge Sperb). Era com lágrimas nos olhos que as víamos partir. A saudade doía dentro de nosso peito. A solidão chegava e dava uma vontade incontida de chorar. Eu me recolhia e chorava escondido. Não aceitava aquela ausência de programação, de ruídos, de gente, tão repentina...
Os automóveis parecendo formigas carregadeiras teimavam em seguir o carreiro, numa marcha lenta e contínua, deixando para trás casas fechadas e com estas um vazio muito grande que se transformava em saudade. O consolo que se tinha era a esperança de um próximo verão melhor do que o anterior. Terminado o verão só ficava a população residente. E as casas de veranistas só seriam habitadas na próxima temporada. De repente, Tramandaí se transformava numa cidade fantasma.
Como era difícil a readaptação ao silêncio, à quietude, à vida pacata da baixa estação!...
 ·  ·  ·  · há 2 minutos

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