Contos e Lendas da Região

   Estive pensando:
   O que colocar em meu blog entre tantos assuntos, tantas pesquisas que tenho feito?.
   Há anos, passei a me preocupar com o registro da história do litoral, em especial com Tramandaí e Imbé.          
   Em 1996 editei um livro de Contos e Lendas da Região(esgotado), resultante de entrevistas a antigos moradores do litoral, no século passado. Elaborei textos colocando a paisagem da época e o modo de falar do morador nativo desta região com base no que vi e vivenciei nestes meus setenta anos bem vividos neste litoral gaúcho, em especial na Região Litoral Norte..

Vou começar com " A   APARIÇÃO  (p.11 do referido livro que está sendo revisado e ampliado para uma futura edição).

                                         A APARIÇÃO


   Palmarito, ainda solteiro,  era caixeiro-viajante. Viajava pelo Rio Grande do Sul no lombo  de um vistoso cavalo que batizara com o nome de Minuano. Representava uma grande firma de Porto Alegre: Casa Carvalho ou Casa Pimenta. Visitava os comerciantes, tirava os pedidos, depois a mercadoria era enviada a essas casas comerciais.Tinha uma caligrafia e um capricho na escrita que dava gosto de ver.
   Por volta de 1936, em uma de suas viagens ao litoral, conhecera uma moça muito bonita, Maria. Tez clara, olhos azuis,muito elegante, filha de forte comerciante. Apaixonara-se à primeira vista.
   Depois de percorrer o interior do nordeste gaúcho, retornou ao litoral. Pernoitou no Hotel Amaral em Osório. Este hotel era propriedade do Senhor Boaventura Silveira do Amaral.
   Era um fim de semana. Inteirou-se das novidades. Soube que haveria um grande baile em Tramandaí, no sábado. No hotel encontrou um amigo, Senhor. Teotônio Freitas que também viajaria para Tramandaí, a cavalo, o que era comum na época.
   Era noite de sexta-feira. A saudade não cabia em seu peito.Não queria esperar para viajar no outro dia.Teotônio concordou em fazer-lhe companhia naquela viagem noturna.
   Montaram em seus cavalos e tomaram o rumo da estrada. Conversa vai, conversa vem, Palmarito perguntou ao companheiro:
   -Teotônio, vou te fazer uma pergunta pra ti: Tu acreditas em aparição? Estou te perguntando porque ouvi dizer que no Passo da Mãe Rosa* costuma aparecer fantasmas. Eu, pra te ser bem sincero, não acredito nessas coisas...
   -Eu também não, Palmarito - respondeu Teotônio com sua voz bem arrastada, demorando-se nas palavras.
   Palmarito, acostumado a viajar sozinho por este mundo de Deus, era um homem corajoso, enfrentava qualquer encrenca e toda sorte de perigo que se lhe apresentasse pelo caminho.E bandido pelas estradas desertas é que não faltavam...Em tom de desafio falou:
   -Se existe Deus e alma do outro mundo, hoje eu quero ter uma prova!
   Continuaram a trote largo. O tempo foi passando... Outros assuntos foram surgindo... Nem mais se lembravam do que haviam falado com relação a assombrações.
   A noite não poderia ser mais escura. O silêncio era profundo, pois o assunto, há muito,  já se esgotara.A monotonia da viagem levava-os a um recolhimento. Ouvia-se apenas o ruído dos insetos que se misturavam com o som surdo das patas dos cavalos na estrada de areia. Alguns vaga-lumes quebravam a escuridão da noite e o campo se transformava em céu estrelado.
   Palmarito quebrou a quietude que os envolvia, dizendo para o amigo:
   Teotônio, estás vendo alguma coisa na frente do meu cavalo?
   Estou vendo um vulto todo de branco... -respondeu Teotônio com toda a sua calma.
   -É o que eu pedi para ver!...
   Palmarito, sem perder a coragem, puxou de seu revólver trinta e oito e gritou para o amigo:
   -Vamos cercar a coisa!... Cerca de lá que que eu cerco de cá!...
   Apertaram o cerco e o vulto sumiu do mesmo modo como apareceu. Estavam justamente no Passo da Mãe Rosa...
Calados, entregues a seus pensamentos, tentado entender o que acabara de acontecer, prosseguiram a viagem a trote mais acelerado por causa da excitação que a aparição lhes causara. Naquele momento só se ouvia a respiração ofegante dos cavalos, o ruído de algum inseto ou o pio de alguma coruja nos matos que se alteavam próximos à estrada...
  


*Passo da Mãe Rosa - (arroio da) - arroio que nasce no campo e deságua na lagoa do Pesqueiro. Este arroio atravessa a estrada que conduz de Osório a Tramandaí.- [na Emboaba.RS]( Fernandes Bastos -Pequeno Dicionário Histórico e Geográfico do Município de Osório,RS, p.122)

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