AS PEGADAS NA AREIA

AS PEGADAS NA AREIA

Contam que Mané ‑ Chico, pescador antigo, conhecido de todos, em Tramandaí , por seus causos fantásticos, um dia saíra para pescar na barra. Nesse dia, não encontrou lá nenhum pescador. Estava solito e Deus. Atirou várias vezes a tarrafa no rio, na tentativa de trazer algum peixe para ajanta. Nada.
Era primavera!
O rio estava calmo, espelhando as águas que, naquele instante, tingiam‑se dos mais diversos matizes. Paisagem digna de ser apreciada! ...
Mané ‑ Chico olhou ao longe, até onde sua vista alcançava e admirou aquela beleza indescritível, como se fosse a primeira vez que se deparasse com tal espetáculo. As águas estavam muito calmas. As ondas espumantes, com delicadeza, nesse dia, vinham banhar‑lhe os pés. 0 sol já se dirigia para o oeste. Uma barra avermelhada desenhava no firmamento as mais estranhas formas . Esse homem simples deixou‑se enlevar, nesse momento, por forte emoção. Ficou extasiado diante de tanta beleza . Uma gaivota cortou os ares e, num mergulho decidido, buscou um peixe, fazendo um ruído que tirou o nosso pescador daquele encantamento.
Tarrafa recolhida às costas, meio curvado. retira‑se do local e começa a caminhar, quando percebe, na areia, umas pegadas pequeninas. Dois pés em míniatura. Curioso, começa a segui ‑ Ias. Caminha. caminha, seguindo ‑ as por toda a praia. Numa determinada altura, as pegadinhas tomam a direção da Av. N.Sa. dos Navegantes ( Av. da Igreja ). Naquela época, 1920 , os côrnoros vinham até a Prefeitura Municipal. Sua curiosidade aumenta. Ainda é dia claro. 0 sol ainda não se pusera de um todo. As pegadas ficavam cada vez mais nítidas. Animado pela curiosidade, acelera o passo: sobe cômoro, desce côrnoro ... e as pegadas ali, na sua frente. E , para seu espanto, as pegadas terminam na porta da Igreja.
Mané ‑ Chico sente‑se preso a terra. Não consegue dar um passo. Olha para a Capela que tantas lembranças lhe traz: batizados , casamentos , enterros de pessoas amigas e de parentes ... Festas religiosas ... Tudo isso se mistura em sua cabeça . Lembra‑se da construção do templo : pedra sobre pedra, madeirame... Lembra-se da figura do Comendador Militão D'Almeida , homem devoto a quem se deve a construção desta capela.
Abandona estes pensamentos que o penurbam, hesita por um instante. Decide entrar. Deixa a tarrafa à porta, benze ‑ se com devoção. Não vê ninguém na casa de Deus. Dirige‑se ao altar. Corre os olhos pelos Santos ... e o que vê?
Nosso Senhor Jesus Cristo, Menino Jesus, no colo da Virgem Maria com os pezinhos sujos de areia!... Não acredita. Com todo o respeito passa a mão nos pezinhos do Deus ‑ Menino para tirar qualquer dúvida. É areia mesmo!...
Aquele homem baixo, de olhos azuis, chapéu na mão, ajoelha‑se, deixando‑se ficar ali por momentos que pareciam eternidade...
Depois, como se despertasse de um sonho, levanta‑se, olhar vago, vai até a porta que dá para a rua, apanha a tarrafa e sai. Atravessa a rua empoeirada em direção norte e entra no boteco do Sr, Antônio Isabel. Encosta ‑se no balcão. Pede um aperitivo para sair do torpor que se apodera dele e, mais reanimado, conta o fato aos companheiros que, costumeiramente, àquela hora, estavam ali para um gole de purinha e para um dedo de prosa ...
‑ Juro por essa luz que me alumia que vi!...

Observação; Texto do meu livro "Contos e Lendas da Região", p.24

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