Os jacarandás estão em flor. É primavera. Dia perfeito. Céu de brigadeiro. Apenas uma brisa passeia pelo centro da cidade.
Quando florescem os jacarandás é porque a
Feira do livro de Porto Alegre se anuncia. As calçadas transformam-se em tapetes
arroxeados para receber a literatura, o conhecimento, a arte, o lazer, os
intelectuais, os leitores...
Ano 2000. Novo
milênio. Data marcante. Inicia-se mais um século.
Lançar um livro
em Porto Alegre, pela Editora Martins Livreiro - Editor, mexeu com o meu
emocional. O dia aproxima-se. A expectativa cresce. A adrenalina manifesta-se.
Antes de chegar
à editora, vejo meu livro exposto na vitrine de uma livraria. A capa muito
bonita. Título: “A Saga das Praias Gaúchas - de Quintão a Torres - Mais de um
século de história”. Surpreendo - me. Entro e pergunto ao balconista qual o
valor do livro exposto. Dezoito reais.
Deixo a livraria.
Entro na editora Martins Livreiro. A filha do editor saúda-me alegremente, como
de costume, e me entrega dois exemplares. Não tenho coragem de examiná-los em
sua presença. Preciso encontrar um lugar muito especial para um contato mais
íntimo com o fruto do meu trabalho. Desço a Rua General Vitorino em direção à
Praça da Alfândega, onde está acontecendo a 46ª Feira do livro de Porto Alegre,
na qual eu lançaria meu livro, dias depois. Fervilha de gente àquela hora. A
Praça da Alfândega está tomada por bancas de livros, estendendo-se até o MARGS
e o Memorial do Rio Grande do Sul. As ruas da Feira foram batizadas com nomes
de escritores merecedores de homenagem. Há espaços para teatro e atrações
infantis. Tudo muito bem organizado. As principais rádios e emissoras de TV, em
ambientes envidraçados, divulgam o evento. Livros e livros e mais livros para
todos os gostos e idades.
Meu livro e eu.
Igual à mãe que sai do hospital com o filho recém-nascido nos braços, sem
conhecê-lo. Atravessamos a praça, meu livro e eu. Onde poderei parar para
examiná-lo? Olhar os detalhes, ver se há algum defeito... Instintivamente, caminho em direção ao
Memorial do Rio Grande do Sul. Entro e avisto uma placa: “Acesso ao Torreão”. É
pra lá que eu irei, decidi. Vamos ver se encontro um espaço sossegado. Ao mesmo
tempo, que estou curiosa para vê-lo, sinto
certo temor. Será que ficou bom? Que responsabilidade, meu Deus!
Tomo o
elevador. Chego ao terraço. Não há ninguém ali.
Eu e meu livro.
Apenas cadeiras
de plástico, de praia, protegidas por guarda-sóis à disposição de possíveis
visitantes. Calor de meio dia. Antes de me sentar, aproximo-me da proteção que
circunda o terraço. Naquele momento tão especial, dirijo meu olhar para a
paisagem que se descortina à minha frente. É preciso montar um cenário para
hora tão íntima: criação e criador.
Lá embaixo,
acontece a Feira do Livro com suas inúmeras bancas, naturalmente protegidas e decoradas
com a presença dos jacarandás em flor. As flores arroxeadas nas copas das
árvores, iluminadas pelo sol radiante daquela manhã, compõem uma decoração
quase mágica para eu me encontrar com meu livro. Evoco em minhas lembranças o
grande escritor gaúcho, Érico Veríssimo, que refere as flores desta árvore
ornamental, tão típica de Porto Alegre, em seu livro “Clarissa”. Percebo sua
presença nas flores dos jacarandás e já não me sinto tão só. Estendo o olhar
entre tantos prédios, avisto a cúpula inconfundível da Catedral de Porto
Alegre, “Mãe de Deus”. Mais ao norte, duas cúpulas de bronze de um centenário
prédio, já esverdeadas pelo tempo, guardiãs da história da capital gaúcha, compõem
a cena. Olhando aquela paisagem que se faz como um presente para mim. Sento-me.
Retiro meu livro do invólucro que o protegia.
O livro e eu.
O sagrado.
Ninguém para repartir
minha emoção e alegria a não ser a presença do admirável escritor gaúcho, Érico
Veríssimo, materializado no perfume cálido das flores dos jacarandás que a
brisa faz chegar ao terraço pra me brindar.
Sentada,
respiro fundo e começo a folhear “A Saga das Praias Gaúchas - de Quintão a
Torres - mais de um século de história”.
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