Lembranças Ternas

O texto que segue é do meu livro Tramandaí / Lembranças a Granel: 



O pátio de nossa casa era muito grande, aliás, quando somos crianças as pequenas coisas se nos afiguram com grandes dimensões.
Na esquina Fernandes Bastos com a Fernando Amaral, 238, em Tramandaí, ficava nossa casa.
No pátio havia uma cisterna enorme para colher água da chuva. Morávamos no sobrado. Na cozinha, havia duas talhas de barro, de tamanho razoável que se destinavam a armazenar a água, trazida em baldes da cisterna. Um desses recipientes, continha água para a preparação de alimentos e o outro, água para se beber. Minha avó Bernardina colocava nesta talha, duas pedras de enxofre que ficavam impregnadas das impurezas existentes na água. Seguidamente, essas pedras eram lavadas e escovadas. A água vertida do balde para a talha, era coada através de um pano bem limpo,  feito de saco de farinha de trigo. O enxofre tinha a função de desinfetante. Diziam que "era bom colocar pedras de enxofre na água para evitar peste”.
Para banho e limpeza em geral, a água utilizada vinha de um poço através de bombeamento manual. De dois em dois dias, ou quando se fizesse necessário bombeava-se a água para o reservatório até sair pelo ladrão. Meu avô tinha muitos filhos adultos, (meus tios). Era uma casa muito movimentada, pois a família era grande. Meus pais moravam com eles.Sempre havia muita gente para desempenhar essa tarefa. Era um momento em que a família se reunia, conversava, ria, jogava bilboquê, enquanto  aguardava a vez de bombear a água.Lembro-me de uma bomba de roda e de outra que  fazia movimento para cima e para baixo. Qual delas foi a primeira, não sei. Cada um bombeava um pouco e ficava bobeando até chegar novamente a sua vez de bombear. Cada qual queria demonstrar maior resistência, contando o número de voltas que dava na bomba. Sempre havia um recordista.
Dessa forma, se procedia até o dia em que chegou a tão sonhada água da "hidráulica" (CORSAN) em 1948.
O fogão à lenha acendia - se ao amanhecer e permanecia aceso até a noite.Ficava um pouco afastado da parede, vão suficiente para caber uma cadeira. Era nesse espaço que o pão caseiro levedava. Também nesse canto, nos dias de vento Minuano cortante, nos recolhíamos para nos aquecer.
Como eram saborosos aqueles churrasquinhos de carne de gado (bifes) feitos na chapa! ...
A mesa onde fazíamos as refeições comportava umas dez pessoas. À hora do almoço, do café da tarde ou da janta, o pessoal se dividia em dois grupos, porque o armazém e a loja não fechavam ao meio dia.Entre família e empregados havia umas vinte pessoas. Todos faziam as refeições em nossa casa. A loja fechava mais cedo. O armazém ficava aberto até as vinte e três horas, mais ou menos. Depois da janta, especialmente homens, se achegavam para conversar com meu pai que gostava muito de uma prosa. Era um local de encontro. Nessa hora, entre uma cerveja e outra, contavam - se as novidades, causos e também se faziam apostas: "jogo de pulso”, "levantamento de peso”, descascar laranja, tirando-se a casca bem fininha sem rebentá-la, medindo - a cuidadosamente para averiguação de seu comprimento, ou ainda, outras apostas, como: alguém se dispunha a tomar uma cerveja de colherinha, enquanto o outro deveria comer  trezentos gramas de queijo o mais rápido que pudesse. Aquele que terminasse primeiro seria o vencedor.E, dessa forma, inventavam-se outras competições e brincadeiras. Nós, crianças, ficávamos de espectadores e achávamos tudo muito interessante.
Dessa forma, o inverno passava mais depressa!



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