Rodeada pelo
silêncio tricota rente à janela procurando aquecer-se. Uma pantufa aquece- lhe
os pés. A réstia de sol, timidamente procura entrar pelo vidro. Não demora, o
sol seguirá seu caminho e dará lugar a uma tarde gélida.
O inverno chegara, oficialmente, há um dia. Mas,
neste ano, resolvera visitar o outono sem pedir licença. Chegara,
clandestinamente, para atrapalhar uma estação tão agradável. Chegou com toda a
sua frieza e crueldade, mostrando todo o seu rigor, espalhando geada e vento
extremamente frio, o cortante Minuano, que regela até os ossos e causa sensação
térmica mais baixa.
Há muitos anos
não se tinha notícia de inverno tão rigoroso, com temperaturas baixas, por
períodos longos!
Uma coberta macia
agasalha as pernas da mulher que tricota e, de vez em quando, deixa cair o
tricô sobre o colo, perdendo-se a olhar a paisagem. Batidas de martelo e o ruído de uma serra
elétrica, chegam de longe a seus ouvidos. Um veículo passa pela avenida. Ela
não o vê. Mas pelo ruído que faz, sabe que se trata de um caminhão. Suas lembranças
vão se tecendo com cada ponto do tricô. A textura delicada da lã aquece suas
mãos. O cheiro do pão caseiro chega à sala. Dentro de pouco tempo estará
pronto.
Tece mais uma
carreira. Afasta o trabalho tricotado para analisá-lo, como toda tricotadeira
boa costuma fazer. Deixa de lado o trabalho.
Pega o livro que está ao seu alcance, produto de uma oficina literária
que fizera. Detém-se a analisar a capa. Recordações povoam o seu pensar. Quão interessantes
foram aquelas aulas! Efervescência de criatividade, compartilhamento de
experiências, de emoções, conhecimento sobre o fazer literário e a oportunidade
de novas amizades.
Consulta
o relógio. Dezesseis horas. O sol incide, obliquamente, sobre a cidade
realçando, de forma extraordinária, a arquitetura dos prédios.
Olhando
mais para a direita, visualiza o mar, na sua constância. No seu vai e vem, parece
exibir toda a sua beleza. As ondas encantam. Espraiam-se delicadamente,
artisticamente, debruadas de nuvens, para deleite de quem tem oportunidade de
contemplá-lo do alto.
Deixa
o livro. Retoma o tricô. Faz mais algumas carreiras. Olha para a direita e
deixa seus pensamentos saírem pela janela. Sobre a lâmina espelhada do rio uma
diminuta onda percorre sua superfície, perdendo-se em suas margens. As horas
vão passando inexoravelmente.
Ruídos de tábuas, atiradas umas sobre as
outras para preparar a estrutura que receberá o concreto no prédio em
construção, chegam a seus ouvidos. Já
estão no 11° andar. Homens movimentam-se de um lado para outro. Três deles,
presos a cintos de segurança, preparam o contorno da chapa com uma mureta de
tijolos, limite da construção. Outro, calmamente varre e deixa a área de
trabalho limpa. O prédio vai ganhando altura. Não demora, esconderá a parte
sinuosa do rio que dá graça à paisagem. Justo, na parte que se estende até a
barra, onde teve início o povoado: gente simples, famílias humildes que compartilhavam
prazeres, saberes, dores, princípios, religiosidade, transmitindo suas
tradições açorianas à sua descendência.
Um
barco acaba de entrar na barra e sofre como sempre o impacto das ondas. A entrada requer habilidade e maestria do timoneiro que, além
das ondas, precisa observar as partes assoreadas da barra para não encalhar.
Esse barco dá cobertura aos petroleiros que se posicionam ao longo da costa
para descarregar o petróleo nas boias.
É
inverno. Inverno rigoroso. O frio intensifica-se. A mulher envolve-se na manta.
O conforto da poltrona e a maciez da manta a faz sentir-se num envolvimento de
paz que só um colo de mãe é capaz de dar. Uma paz a envolve. Cochila e dorme.
A sirene de uma ambulância a acorda em
sobressalto. A noite aproveitara seu cochilo para chegar. A lua nem se lembrou de aparecer.
Olha
pela janela e nota que as estrelas mudaram de lugar, estendendo-se pelo solo. À
noite, o céu parece trocar de lugar com a terra, para encanto de quem pode
apreciar essa paisagem noturna vista do alto. A cidade está iluminada
refletindo no rio as luzes que o margeiam.
A
campainha toca. Guarda no baú o tricô que deixara de lado, envolvendo-o com
lembranças e devaneios empoeirados.
A
máquina do pão avisa que o pão está
pronto.
Tramandaí ao anoitecer.
Tramandaí - O nascer do sol sobre o mar.
Tramandaí -RS ao entardecer - A lagoa, o rio. Ao fundo, a Serra Geral. À direita, do outro lado do rio, o município de Imbé.
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