O Palco da Vida

Sobre a mesa o livro. Um comprovante de extrato bancário marca a página com o pensamento de Chaplin que Floriano destacara e ficara fervilhando em seus pensamentos: “A vida é uma peça de teatro que não permite ensaio.
Por isso cante, dance, ria, viva intensamente, antes que a cortina se feche.”
Grande Charles Chaplin! O admirável Carlitos do cinema mudo, como ficou conhecido no Brasil. O mais famoso ator do início do cinema Hollywoodiano que ainda encanta muita gente - pensava Floriano, quando Alzira sentou-se a seu lado para a hora do recreio, como costumavam denominar aquela pausa para o chimarrão.



-Sabe, Alzirinha, estava aqui a filosofar com meus botões... A refletir sobre aquele pensamento do Charles Chaplin que te mostrei ontem. Grande pensador! Os poetas e pensadores dizem grandes verdades. Na vida experimentamos todos os gêneros teatrais que nos permitem rir, dançar, cantar, enfim, viver intensamente. Tudo isso ocorre no dia a dia, sem ensaio. Mas, para ser um bom ator, a vida exige controle das emoções nas horas certas. Há momentos em que se pode deixar a emoção fluir livremente. Outros, em que é preciso refreá-la. No cotidiano, somos protagonistas de tragédias que nos surpreendem. Em certas situações nos transformamos em palhaços, pagando o maior mico. Às vezes somos vilões ou heróis... Cantamos, mesmo que seja o “Parabéns a Você”... Se não sabemos dançar, pelo menos a valsa de quinze anos com as filhas, depois com as netas, o fazemos sem muito ritmo, pois não podemos nos omitir. Mas dançamos. E as comédias? Quantas vezes rimos de nós mesmos? Quantas vezes, nossos filhos e netos, quando crianças, se saiam com cada uma que nos levavam a gargalhadas. Lembra da Duda, deveria ter uns quatro anos, sentou-se no meu colo e disse: “Vô tu não é velho!” fez uma pausa. Eu fiquei todo contente. Em seguida, ela acrescentou: “Tu é idoso”. Eu me ri tanto ou mais do que riria de uma piada de um grande humorista...

Enquanto ouvia Floriano falar, Alzira mateava e ria com ele das lembranças. Pensava no teatro de suas vidas. Encheu a cuia e a passou para Floriano. Era sua vez de falar:


- A vida é realmente um teatro sem ensaio, Floriano. Estamos no palco da existência. Às vezes me pergunto: Por que estamos aqui? Para que? O que querem de nós? Os cenários são naturais, verdadeiros, iluminados ou não, dependendo da peça... Muitos atores são marionetes, seguem a vida inteira manipulados. Alguns têm excelentes dons artísticos e brilham no palco iluminado da vida. Outros, são arrastados por tragédias e mais tragédias e não encontram nem plateia ou se a encontram está virada de costas, cansada de infortúnios, desejando assistir a outro gênero teatral que não exponha tanta desgraça. Às vezes, me assusta ao pensar: Quando terminará a peça? Quando se fechará a cortina do palco de nossas vidas?


-Isso aí, a Deus pertence, Alzirinha. Por isso que eu digo. Muita gente não leva a sério a vida. Nós, pais e avós, precisamos semear princípios éticos, valores morais. Dar estrutura aos atores que frequentam a nossa escola para que desenvolvam a sensibilidade; Sejam verdadeiros; Tenham como princípio o respeito, muito respeito; Saibam lidar com suas emoções. Isso os tornará seguros para atuar, sem ensaio, sem medo, no mega-palco da vida.


-Pois é - disse Alzira - Muita gente também não tem consciência de que a vida é como um livro que vai sendo impresso no dia a dia, através de um sistema que não permite deletar sequer uma letra, nem extrair páginas. Lembra, Floriano? Sempre dizíamos isso para nossos filhos... História não se apaga.


Alguém toca a campainha interrompendo o diálogo. Alzira vai até a porta e retorna eufórica.
-Floriano! Nem sabes! Nossa filha mandou-nos dois ingressos. Uma condução levará o grupo para assistir a uma peça no Teatro São Pedro, em Porto Alegre! Vamos, não é?


Floriano responde com indagações, sublinhando as palavras com a voz: 


-Quando é que teremos um teatro e outras atividades culturais neste litoral tão isolado?
Enumerava nos dedos à medida que ia falando:


-Não temos Teatro. Não temos mais sociedades recreativas, Clubes... Não temos cinema. A única distração é a gastronomia. Os jovens, nos fins de semana, à noite, têm como única opção de lazer a gastronomia. É a “cultura da barriga”. Pizzarias, restaurantes ou bares onde se reúnem para comer, conversar, rir, “ficar” sem compromisso e tomar cerveja. Depois, não sabem por que tantos jovens estão se tornando alcoólatras e obesos... 


Na nossa idade, Alzirinha, nós que não podemos fazer extravagâncias gastronômicas à noite, só nos resta excursionar em busca da cultura ou sonhar com os anjinjos...

Vamos ao teatro. Vamos aproveitar esta oportunidade.

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