Leda saraiva Soares


“Pei
                                                   
                              xi”


A Ponte Giuseppe Garibaldi liga os dois municípios: Tramandaí e Imbé. Seu nome deve-se ao grande feito deste herói de duas pátrias que teve a ideia de sair pela barra do rio Tramandaí, na Guerra dos Farrapos, enquanto a vigilância dos adversários  concentrava-se  na barra de Rio Grande. Conseguiram, a grande custo, realizar uma façanha inimaginável: trazer dois barcos por terra, sobre enormes carretas tracionadas por muitas juntas de bois. Chegaram à Lagoa do Armazém, Tramandaí, proximidades da Petrobras. Nesse ponto preparam-se para sair pela barra. Em  julho de 1839, sob terrível tempestade, que varria o mar e a terra com o vento mais terrível: “ lestada”  ou “Carpinteiro  da praia” que destruía as embarcações conseguiram sair.  Um dos barcos, comandado por Garibaldi naufragou perto de Araranguá.  Garibaldi sobreviveu e salvou alguns de seus companheiros. Caminharam pela praia e foram juntar-se aos que estavam no barco Seival, em Laguna, para cumprir  o objetivo: Tomar Laguna...

Bem. A história continua. Mas por que razão iniciei este texto com esse episódio? Só por causa do nome da ponte. Saber não ocupa lugar.

Sempre que passo pela cabeceira da ponte Giuseppe Garibaldi, pelo lado de Tramandaí, em minhas caminhadas,  encontro um pobre homem oferecendo peixe, sem as mínimas condições de higiene e conservação. Isso vem acontecendo há vários anos.

Certo dia, saímos  de  Imbé a caminhar, meu marido e eu, em direção a Tramandaí. Combinamos ir até a barra. Pensei: Se eu encontrar uma tainha,  recém-pescada, vou comprar. Estava com saudade de saborear um peixe bem fresquinho. Tem outro sabor.
O dia estava ensolarado. Nenhuma nuvem no céu. Algumas garças faziam seu desjejum na parte rasa do rio. Automóveis passavam apressadamente. Muita gente pescando sardinha. Era uma confusão de caniços... O cheiro de peixe misturava-se com o cheiro da combustão dos carros que passavam.  À cabeceira da ponte, um homem dos seus sessenta anos, mal tratado pela vida  e por sua  contínua exposição ao sol e ao vento, anunciava seu produto.

Na barra não encontramos peixe vivo para comprar. Ao voltarmos, ainda estava ali aquele homem. O grito do anúncio que fazia, era um lamento de dar dó. Pronunciava a sílaba  “Pei “  lá em cima, como se estivesse no alto de um escorregador. Demorava um pouco no “Pei”  e deixava cair o restante da sílaba num lamento comovente.  Parecia chorar a morte do peixe com o mesmo sentimento que se chora a morte de um ente querido. Eu estava desejosa de comer um peixe. Apesar do lamento, compramos três minúsculas tainhas.

Eu teria que limpar o peixe, coisa que  há muitos anos não fazia, pois as bancas  já vendem o peixe limpo.Tudo bem. O que faz um desejo... Eram três filhotes de tainha. Quando abri o peixe pela barriga, levei um susto. Era tudo negro. Até a carne era escura, de um tom acinzentado.  Nunca vi coisa igual. Então me lembrei de minha avó Bernardina que dizia: Peixe da lagoa não presta. Tem gosto de terra, só se alimenta de lodo. Gostoso é o peixe do mar.

Para encurtar a história, preparei , fritei  a "iguaria" e  servi aquelas diminutas postas com certo nojo, mas nada disse. Não conseguimos comer. O sabor era horrível. Colocamos o peiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiixxxxxxxxxxxe fora.

É lamentável! Eu acredito que o lamento do homem contaminou o peixe...

Não foi naquele dia que saciei meu desejo. Sem falar do trabalho que tive.

Lá está ele no mesmo lugar.  O vendedor ambulante ainda continua no mesmo lugar com o seu lamento, ou anúncio. Não resisti. Quis ajudá-lo na forma de anunciar o seu produto. Talvez melhorassem as vendas. Arrisquei:

-O senhor tem que anunciar o peixe com energia : “Olha o peixe vivo! “

Ao que ele me respondeu sem titubear:

- Mas ele tá morto!

E continuou no seu anúncio lamentoso:
Peiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii-.........................xi!
                                                     

Um comentário:

  1. Sra. Leda Soares, uma bela matéria sobre a ponte, gostaria de solicitar sua autorização para utilização de uma das fotos desta página em texto acadêmico. Reinaldo Simões, reinaldoags@gmail.com

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